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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Os altos e baixos do transtorno bipolar

Máscara alegre e triste
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Sua expansividade e impulsividade chamam a atenção. Cantarola pelas ruas, rouba beijo de mulheres acompanhadas, invade o palco de uma orquestra sinfônica, equilibra-se destemido na viga de um telhado a dezenas de metros do chão. Justifica as atitudes dizendo viver sempre em êxtase e feliz, mas de repente é acometido por uma tristeza profunda e inevitável. Embora ficcional, o personagem principal do filme "Mr. Jones", interpretado por Richard Gere, reproduz com fidelidade os altos e baixos vividos por uma vítima do transtorno bipolar.
A instabilidade emocional provocada pela doença tem registros desde a Grécia Antiga, investigada por filósofos intrigados com a extremada oscilação de humor, e em textos bíblicos, com passagens que relatam, por exemplo, a depressão que subitamente tomava Saul, rei de Israel, em meio a batalhas em que se destacava com bravura e heroísmo.
Porém, a caracterização do transtorno bipolar é muito mais complexa. Dóris Moreno, médica psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (Ipq - HCFMUSP), explica que a mudança de humor é a marca mais comum da doença, mas não significa necessariamente uma patologia. "Apaixonar-se ou passar por uma fossa depois de uma decepção amorosa ou perda não quer dizer que a pessoa esteja doente".
Existe uma alteração na velocidade dos pensamentos, para mais ou para menos. "Há uma mudança no nível de energia e ânimo para pensar e agir", descreve Dóris. O ciclo sono-vigília é outro aspecto afetado. O indivíduo não consegue pregar o olho, troca o dia pela noite ou, mesmo dormindo bastante, ainda sente que descansou pouco.
O transtorno bipolar também altera o apetite e aumenta a irritabilidade, a libido, os impulsos consumistas e o uso de álcool, drogas, televisão ou internet. Se essa ativação mental acelerada não for "desligada", as consequências desses excessos podem vir em dependência química, falência financeira e doenças sexualmente transmissíveis.
Fora de casa, bipolares costumam ser simpáticos, sedutores como o Mr. Jones e conseguem controlar a irritabilidade, por isso é tão difícil reconhecer alguém com o transtorno. Porém, quando a "tolerância zero" é transparecida em público, o estado é grave. Nas próximas páginas, entenda as variações do transtorno bipolar, suas causas e tratamento.
Homem sozinho com as mãos no rosto
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Dóris Moreno esclarece que o indivíduo pode ter algumas crises de transtorno bipolar ao longo da vida, mas chega um momento em que os sintomas não são mais superados e um tratamento se faz urgente. Entretanto, muitas vezes o diagnóstico não é feito corretamente e a doença pode ser confundida com esquizofrenia ou depressão. "A tendência a errar o diagnóstico é grande, muitos pacientes levam em média dez anos para serem identificados", comenta a psiquiatra.
A identificação do transtorno exige o conhecimento de variados tipos da doença, com intensidades e proporções diferentes. As versões mais comuns do transtorno bipolar são as mais leves, porém as mais faladas são as do tipo 1, 2 e misto.
Para ser diagnosticado com o tipo 1, que atinge 1% da população, o paciente precisa passar por pelo menos uma crise de mania, a forma mais grave de euforia. "Corre riscos, faz sexo sem proteção, é otimista, dono da razão, arrogante, piadista, perde senso crítico, é propenso a alcoolismo e negócios irresponsáveis", enumera Dóris. A mania pode durar semanas, meses e até anos, em doses leves e intensas que levam à sarjeta.
"Os mais inteligentes conseguem seduzir, manipular e convencer de que estão certos. Podem ficar psicóticos, paranoicos, desconfiados e aderir ao esoterismo e religiosidade", prossegue Dóris. A médica acrescenta que uma pessoa no estágio de mania dificilmente se percebe com o problema, daí a importância da família para notar os sintomas. "Se for uma pessoa forte na família, a família sofre".
Os períodos de depressão ou hipomania predominam no tipo 1 e deixam a pessoa cansada e desanimada a tal ponto que é levada a procurar ajuda, o que costuma induzir à detecção equivocada de uma depressão unipolar. A hipomania também prevalece no tipo 2, mas, no lugar da euforia, o indivíduo passa três a quatro dias com mais pique, impulsivo e obceca-se com algo para aliviar a agitação, como jogos de celular e computador.
Nos quadros mistos, a depressão e a mania convivem em proporções parecidas. "O indivíduo tem maior ansiedade e propensão ao suicídio", pontua Dóris. Peculiaridades à parte, a depressão e a irritabilidade ou pavio curto são as marcas sobressalentes da maior parte das vítimas do transtorno bipolar. "O paciente com essa doença sucumbe ao estresse, dá maior amplitude aos problemas", afirma.
Paciente e médica
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O transtorno bipolar é determinado por uma predisposição genética alavancada por fatores externos como traumas, perdas, uso de antidepressivos e inibidores de apetite. Segundo Dóris Moreno, depois que a pedra rola, não para mais. A médica acrescenta que uma família em que o pai ou a mãe é bipolar pode pesar nos traumas de uma criança sintomática.
A medicina tem se voltado para a investigação das alterações provocadas pela doença no cérebro. Dóris explica que acontece o que chama de toxicidade cerebral, na qual a comunicação entre os neurônios na região frontal se perde, instabilidade que provoca inibição ou estimulação excessiva em diferentes pontos do cérebro.
O transtorno bipolar é tratado com uma combinação de medicamentos estabilizadores de humor e psicoterapia. Como se trata de um mal crônico, o tratamento não tem duração determinada e varia de pessoa para pessoa. Segundo Dóris, há pessoas com transtorno leve mais conflituosas do que aquelas no estágio mais grave
O tratamento psicoterápico tem o intuito de fazer o paciente conhecer a doença, por isso é conhecido como psicoeducação. A psiquiatra é membro do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas, o Gruda, entidade voltada para o estudo de pessoas com transtornos afetivos que realiza programação para pacientes e familiares a fim de acabar com o preconceito. "O tratamento vale a pena, mas é preciso ter paciência e o acompanhamento da família, pois é muito difícil para quem sofre o transtorno criar amigos", conclui Dóris.

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